Caso Prevent Senior: É possível realizar um estudo baseado apenas em observação sem ferir a ética?

Bruce Petersons
Bruce Petersons

A operadora de planos de saúde Prevent Senior é acusada de violações da ética médica e da ética de pesquisa clínica. Violações como coagir médicos para que receitem tratamentos sem benefícios comprovados e com risco de efeitos colaterais (até uma intervenção de risco muito pequeno, se aplicada a uma população grande, leva a um número certo de casos); de aplicar tratamentos experimentais sem consentimento livre e esclarecido por parte dos pacientes, e mesmo de, deliberadamente, esconder o uso da cloroquina deles e de suas famílias; de alterar os códigos de diagnóstico; de omitir a Covid-19 de certidões de óbito. Obviamente, tudo isso contraria os princípios mais básicos da ética médica e da ética em pesquisa clínica. 

O que ainda não me parece explicado é o possível motivo. Poderia ser um comprometimento puramente político, com a intenção de minimizar a pandemia e tranquilizar o público, dando a impressão de que existem tratamentos efetivos contra a Covid? Ou a de apoiar a mensagem do governo federal? Ou cumprir um suposto acordo com o governo? Parece estranho supor que uma empresa grande e, ao que consta, bem sucedida, agiria contra seus interesses comerciais por motivos puramente ideológicos. Haveria motivo comercial para estas ações? Erros? Ou, mais previsivelmente, simples corrupção, expectativa de ganho econômico ou político? Espera-se que as investigações esclareçam se (ou quando) estas práticas aconteceram, por que aconteceram, quem decidiu e quem ganhou o que com isso. Mas, sejam quais forem os motivos dessas violações, ninguém precisa ler uma coluna explicando que essas práticas são erradas. Não há questões éticas a se levantar sobre isso. 

Porém, uma fala do diretor da operadora na CPI da Covid-19, na última quarta-feira levanta (ou confunde) uma questão de ética de pesquisa que pode valer a pena entender melhor conforme vamos aprendendo mais sobre o ocorrido. A Prevent Senior é acusada de usar os dados resultantes de tratamentos experimentais, administrados sem consentimento do paciente ou da família, para produzir um estudo sem autorização do comitê de ética. Esta prática é inegavelmente contrária aos princípios básicos da ética de pesquisa clínica. Na CPI, o diretor da operadora minimizou o estudo, chamando-o de mera observação dos resultados dos atos médicos. Isso torna o estudo permissível? Não! A pesquisa feita com observação e análise de prontuários médicos também exige consentimento e autorização. 

Um estudo observacional deste tipo, feito com consentimento e autorização, apenas observaria os resultados do tratamento que o paciente receberia. Ou seja, o estudo observacional não decide aleatoriamente quais pacientes recebem o tratamento experimental e quais recebem um outro tratamento, ou placebo. Portanto, não cria riscos adicionais à saúde do paciente, o que pode parecer mais permissível, mais ético. Mas, justamente por não randomizar o tratamento, possibilitando a comparação entre os resultados do tratamento experimental e os da alternativa — se dados a grupos parecidos (como fazem os estudos “padrão-ouro”) —, pesquisas observacionais não geram o melhor tipo de evidência. E a produção de evidência de qualidade é o que principalmente justifica dar aos participantes tratamentos experimentais, que muitas vezes não fazem bem, e às vezes fazem mal. Portanto, a relação entre riscos e benefícios do estudo observacional de um tratamento experimental pode ser pior, tornando os estudos observacionais menos permissíveis do que os estudos randomizados deste mesmo tratamento.

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