Diretor diz que Prevent retirava Covid da ficha de pacientes e responsabiliza médicos por prescrição de kit

Bruce Petersons
Bruce Petersons

Alçado à condição de investigado pela CPI da Covid-19, o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, negou a existência de um protocolo de testagem em massa da cloroquina em pacientes e responsabilizou os médicos da empresa pela prescirção do chamado “kit Covid”, formado por medicamentos comprovadamente ineficazes para o tratamento da doença. Aos senadores, o dirigente da operadora de saúde também contestou a veracidade das informações contidas no dossiê enviado à comissão, mas admitiu que hospitais da rede alteravam o código de classificação da doença (CID), após os pacientes ficarem 14 dias internados. “Isso é uma fraude”, reagiu o senador Humberto Costa (PT-PE), que é médico de formação.

A responsabilização dos médicos pela prescrição dos remédios foi o principal argumento utilizado por Batista Júnior em seu depoimento. Ele insistiu na tese de que os profissionais tinham “autonomia” para trabalhar. “Nunca houve kit, variavam as prescrições. Eram enviadas as medicações conforme a prescrição médica”, disse. No entanto, mensagens que integram o dossiê em posse da CPI, ao qual a Jovem Pan teve acesso, indicam o contrário. “Pessoal, boa noite. Bom plantão a todos e enfatizo a importância da prescrição da Flutamida 250mg para todos os pacientes que internarem. Estamos muito animados com a melhora dos pacientes. Obrigado a todos”, escreveu o médico Rodrigo Esper, da Prevent, em um grupo de WhatsApp. O fármaco, utilizado para o tratamento de câncer avançado de próstata, é contraindicado para o uso de mulheres.

Em outra mensagem, um segundo diretor da empresa pede que os pacientes não sejam avisados sobre “a medicação ou o programa” ao qual estavam submetidos. “Iremos iniciar o protocolo de hidroxicloroquina + azitromicina. Por favor, não informar o paciente ou familiar sobre a medicação nem sobre o programa”, diz o texto. Quando questionado sobre essas e outras mensagens, o diretor da Prevent disse elas foram tiradas de contexto – o depoente disse que o dossiê foi criado por uma casal de ex-médicos que teria manipulado dados de pacientes internados em hospitais da rede.

Outros dois pontos marcaram o depoimento de Pedro Batista Júnior: a suposta fraude em documentos e a relação com o governo Bolsonaro. De acordo com documentos enviados à CPI, a Prevent Senior fraudou atestados de óbitos para ocultar que pacientes internados em hospitais da rede tenham morrido por complicações da Covid-19. Duas dessas pessoas seriam o pediatra e toxicologista Anthony Wong e a mãe do empresário Luciano Hang, Regina Hang. Questionado, Batista repetiu uma resposta padrão: “Não respondo nada sem autorização de familiares sobre meus pacientes”. “Há uma farsa que essa comissão provará que aconteceu. Isso é uma coisa macabra, escabrosa. O Luciano Hang teria orientado que escondessem que sua mãe tivesse sido tratada com cloroquina para não desmerecer o tratamento precoce”, disse o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). “A mãe do senhor Luciano Hang se internou com Covid. A doença primária desenvolve complicações, insuficência renal, microtromboembolia, por exemplo. Mas o atestado de óbito não fala em Covid. É a manipulação da vida das pessoas”, disse Otto Alencar (PSD-BA). Os senadores apresentaram o prontuário de Regina com indicação de uso de protocolo – em live, o bolsonarista omitiu que sua mãe tenha usado esses medicamentos.

A segunda questão bastante explorada na oitiva foi a relação de diretores da Prevent Senior com o governo Bolsonaro. Em abril de 2020, o presidente da República e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) divulgaram em suas redes sociais informações sobre um protocolo do chamado “tratamento precoce” criado pela operadora de saúde. “Prevent Sênior diz ter estabilizado a situação, tem vagas de UTI, já deu alta para 400 pacientes que tiveram COVID-19 e criou protocolo que reduziu de 14 para 7 dias o tempo de uso de respiradores. O SUS nunca a procurou para saber qual foi o protocolo usado”, disse Flávio. “O estudo completo será publicado em breve”, prometeu o mandatário do país. O dossiê elaborado por 15 médicos, em posse da CPI, um ensaio clínico feito pela Prevent Senior com 636 pacientes para tentar comprovar a efetividade dos medicamentos omitiu sete mortes por Covid – Batista negou esta informação. De acordo com sua versão, o acompanhamento foi feito entre 26 de março de 2020 e 4 de abril de 2020 e as sete mortes ocorreram após esse período.

Em um vídeo exibido ao longo da sessão desta quarta-feira, o virologista Paolo Zanotto, apontado como membro do gabinete paralelo, aparece em uma live de abril de 2020, ao lado de Pedro Batista Júnior, e afirma que os médicos Nise Yamaguchi e Luciano Azevedo “estão em Brasília com o alto escalão do governo” redigindo “protocolos de vários tipos para a aplicação” destes medicamentos. O executivo se limitou a dizer que “a Prevent não tem e nunca teve relação com qualquer gabinete”.

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