Entenda a relação da síndrome de Guillain-Barré com as vacinas contra a Covid-19

Bruce Petersons
Bruce Petersons

A síndrome de Guillain-Barré ganhou os noticiários após ser incluída na bula da vacina contra a Covid-19 da Janssen pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês), equivalente à Anvisa nos Estados Unidos. Segundo a FDA, foram notificados cerca de 100 supostos casos de SGB após a vacinação com o imunizante. Destas, 95 eram graves e exigiram hospitalização. Apenas uma morte foi relatada. A agência ressalta que, “embora as evidências disponíveis sugiram uma associação entre a vacina Janssen e o aumento do risco de SGB, elas são insuficientes para estabelecer uma relação causal.” No final de julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que 35 casos de Guillain-Barré foram relatados depois da aplicação de vacinas contra a Covid-19 no Brasil. Foram 27 notificações após a imunização com a vacina da AstraZeneca, além de quatro casos com a CoronaVac e três com a Janssen. Para entender a possível relação entre a SGB e os imunizantes, especialistas entrevistados pela Jovem Pan explicam que primeiro é necessário compreender como a condição é desencadeada pelo corpo humano.

O que é a síndrome de Guillain-Barré?

“A síndrome é uma doença autoimune onde o organismo do indivíduo começa a produzir anticorpos contra ele próprio”, resume o neurologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Fernando Freua. “A região que é atacada pelos anticorpos desregulados é a região das raízes nervosas. A medula neurológica, que fica dentro do canal da coluna, tem prolongamentos que formam as raízes. São esses os pontos atacados pela Guillain Barré”, explica Freua. A condição pode ser acionada por um processo infeccioso ou por uma vacina. “Em geral, tem um fator desencadeante, que pode ser uma infecção, cirurgia ou um trauma. Os fatores mais comuns são a infecção do trato respiratório superior e diarreia. Depois que o paciente tem essa infecção, passa um período de duas, três ou até quatro semanas até ele desenvolver esses anticorpos que vão atacar os nervos periféricos”, detalha Wilson Marques Júnior, professor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Segundo o neurologista do Beneficiência Portuguesa, a síndrome tem um quadro clínico clássico em que o indivíduo começa perdendo a sensibilidade e a força de maneira ascendente. A sensação começa concomitantemente nos pés e nas mãos. Em seguida, vai subindo pela bacia e tronco. Junto com a sensibilidade, a força vai diminuindo. Em casos graves ocasionados por um retardo no diagnóstico, a SGB pode afetar a musculatura respiratória. “O paciente, em geral, começa a apresentar uma fraqueza progressiva. Ocasionalmente, pode comprometer os músculos da mastigação e da respiração. É um tipo de fraqueza que a gente chama de ‘flácida’. Então, o paciente vai ficando mole, perdendo os reflexos”, descreve o docente da USP. Em casos graves, o paciente pode ter uma parada respiratória. Os dois especialistas reforçam que a síndrome é rara. “É uma frequência baixa, de seis a oito para cada milhão de doses da Janssen”, diz Freua. No hospital da USP de Ribeirão Preto, Wilson Marques Júnior calcula uma média de 24 casos de Guillain-Barré por ano.

Quais os tratamento disponíveis?

O tratamento pode ser realizado em duas frentes: medicação ou procedimento. “O tratamento medicamentoso que a gente usa é a imunoglobulina humana endovenosa, que impede que os anticorpos que foram feitos atuem no nervo periférico”, afirma o professor. O neurologista Fernando Freua aproveita para fazer um apelo: como a imunoglobulina humana é produzida a partir da filtragem do sangue de doadores, a doação de sangue é essencial para a sua fabricação. Com a pandemia, a quantidade de doadores caiu, afetando a disponibilidade do medicamento. Outra alternativa para o tratamento é a plasmaferese. A gente tem uma janela de tempo para ofertar o tratamento. Quanto mais cedo, maior é a resposta da recuperação. Um procedimento chamado plasmaferese, que é como se fosse uma diálise, que filtra o sangue e remove esses anticorpos.”  Se o quadro já está evoluído, é questionável fazer essa terapia, pois a lesão já foi instituída e o ganho é muito pequeno quando comparado aos riscos. No caso de uma cronificação da doença, o trabalho é feito de outra forma: colocando o paciente em uma Unidade de Terapia Intensiva, dando suporte com ventilação, realizando fisioterapia e aplicando corticoide para que o nervo se recupere. 

Qual é a relação da síndrome de Guillain-Barré com as vacinas contra a Covid-19?

Os especialistas explicam que vacinas, no geral, podem ocasionar a síndrome de Guillan-Barré, já que o objetivo de um imunizante é justamente fazer o corpo humano produzir anticorpos contra um patógeno. “O objetivo da vacina é estimular a resposta imunológica. Então, ela vai funcionar como se fosse uma infecção, que estimula a resposta imunológica para que o organismo produza anticorpos para combater o vírus. Na síndrome, o anticorpo começa a reconhecer, de uma maneira inadequada, alguns marcadores do nervo”, diz Wilson Marques Júnior. O neurologista Fernando Freua aponta que a síndrome ocorre, principalmente, com vacinas que usam vetores virais, como Janssen e AstraZeneca, e as de vírus inativado, caso da CoronaVac. “Essas vacinas que usam vetores virais, pegam um adenovírus de uma outra espécie e fazem com que essa substância expresse a proteína spike do coronavírus. O imunizante insere esse adenovírus no corpo humano e espera que o sistema imunológico faça a defesa. As vacinas que tem vetores virais, vírus vivo atenuado ou mesmo vírus morto geram uma resposta imune mais intensa no organismo, diferente das vacinas de RNA mensageiro, nas quais é dado à célula um pacote de informações específicas de qual defesa ela deve produzir. A célula executa aquele trabalho e pronto”, esmiúça o médico. “No outro caso, o organismo precisa desencadear todo o processo de reconhecimento do agente agressor para, só então, gerar a resposta imunológica. Nesse processo pode ocorrer uma ‘confusão imunológica’ e o organismo passa a gerar resposta imune contra ele mesmo, como no caso do Guillain-Barré”.

Freua lembra que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) recomendou que indivíduos que já tiveram a síndrome e que estão em locais onde é aplicado mais de um tipo de vacina optem por imunizantes de RNA mensageiro, como a Pfizer e a Moderna. O médico ressalta que a síndrome de Guillain-Barré não é a única que pode ser causada por uma vacina, assim como o imunizante contra a Covid-19 não é o único que pode desencadear a síndrome. A vacina da influenza, inclusive, já foi relacionada à SGB. Ambos especialistas reforçam que, como a síndrome de Guillain-Barré é rara e existe tratamento para ela, não há motivos para que alguém não tome a vacina contra a Covid-19 por medo de desenvolvê-la. “É importante entender quais são os ricos. Mas a mensagem final é que nenhum risco teórico justifica não se vacinar. A vacina ainda é a nossa melhor arma contra o coronavírus. Se já teve Guillain-Barré ou tem alguma doença autoimune, converse com seu médico antes da vacinação. Fora isso, nada justifica não ser vacinado”, afirma Fernando Freua.

Wilson Marques Júnior ainda acrescenta, assim como a FDA, que a relação entre a SGB e a vacina contra a Covid-19 ainda não foi confirmada oficialmente. “A gente realmente viu alguns casos de SGB depois da vacina. Mas, como a gente tem Guillain-Barré todo ano e essa é uma época que a gente costuma ter relatos de doença mesmo, ainda precisamos confirmar se existe uma associação real”, defende. “Se o paciente começar a desenvolver uma fraqueza, ele tem que procurar um sistema de saúde, porque existe um tratamento efetivo. Se você tratar precocemente, a evolução geral é boa. Todos os nossos casos que tiveram o quadro associado à vacinação tiveram uma evolução super boa porque foram tratados precocemente. É um alerta: se por acaso tiver manifestação, que é muito rara, tem que procurar o sistema de saúde o mais rápido possível”, finaliza o professor.

Share This Article