Gasolina encarece os alimentos, deixa o preço do Uber nas alturas e se torna grande vilã da inflação; entenda a alta

Bruce Petersons
Bruce Petersons

Na semana passada, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) registrou uma nova alta no preço da gasolina. Em pesquisa divulgada no fim de semana, a agência mostrou que, em alguns Estados, o preço do litro do combustível era vendido a valores acima de R$ 7 — em Tocantins, chegou a R$ 7,36. A média nacional quase bateu em R$ 6 (exatos R$ 5,959). Motoristas, é claro, já sentiram o baque, mas não são apenas o donos de veículos que sofrem com a disparada das tarifas nas bombas do país. Quem faz as compras do mês já notou que as etiquetas dos supermercados apresentam números maiores do que os do mês anterior. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, a cesta de dez itens do prato feito sofreu uma variação de 22,57% no acumulado em 12 meses até julho deste ano. O preço do arroz disparou 37,5%. O da carne bovina, 32,69%. O feijão preto completa o pódio: 18,46%. “Com os preços de combustível aumentando, sobe tudo o que é transportado. Principalmente os alimentos. Quando os alimentos sobem, a inflação também sobe. Tarifas, alimentos, combustíveis”, enumera Antônio Carlos Morad, advogado especialista em direito tributário e empresarial.

Os serviços de transporte por aplicativo também encareceram de maneira assustadora. No horário de pico, os preços das corridas quase triplicam. A crise tem afastado consumidores, mas também motoristas, que viram a margem de lucro minguar. “Os combustíveis aumentaram muito o preço e a manutenção também tem consumido demais os ganhos. É mais seguro transportar mercadoria do que passageiro”, reclamou Fabio Ziroldo, que atua no segmento desde 2016. Em nota enviada à Jovem Pan, a Uber disse que “os preços dos combustíveis fogem do controle da empresa” — mas que, por meio de programa de vantagem para parceiros, procura ajudar os motoristas a reduzirem gastos fixos por meio de parceiras e descontos. Já a 99 lançou um pacote de ações “que pretende colaborar com os ganhos dos motoristas parceiros da empresa” e injetar R$ 570 milhões no PIB brasileiro até dezembro. As iniciativas, de acordo com a empresa, serão implementadas ao longo deste segundo semestre. Entre outras medidas, a 99 deixará de cobrar taxas em determinados horários, antecipará reembolsos e dará incentivos para que os motoristas aceitem corridas. “O aumento da gasolina impacta todos os setores, mas o de transporte sente os efeitos primeiro. Nosso compromisso com a sociedade é o de continuar garantindo a geração de renda aos nossos motoristas parceiros, mas também seguir promovendo o acesso à mobilidade por parte das pessoas que precisam do serviço”, disse Livia Pozzi, diretora de operações e produtos da companhia de transporte individual.

Tendo a gasolina como vilã, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) retificou a projeção para a inflação deste ano de 5,9% para 7,1%. O relatório do Grupo de Conjuntura do Ipea mostra que a pressão inflacionária já era esperada. “No entanto, as sucessivas altas das cotações das commodities no mercado internacional e os eventos climáticos adversos – a longa estiagem e a ocorrência de geadas em regiões de produção agrícola – surpreenderam negativamente e desencadearam novos aumentos de preços de alimentos e de energia. Adicionalmente, a recuperação do mercado de trabalho formal e o relaxamento das medidas de distanciamento social, em razão do avanço da vacinação, trouxeram, nos últimos meses, um maior dinamismo ao setor de serviços, gerando margem para uma recomposição de preços nesse segmento. Balizadas por esse novo conjunto de pontos de pressão inflacionária ainda não dissipados, as projeções de inflação do Grupo de Conjuntura do Ipea foram revistas para cima”, diz o documento, divulgado no último dia 24. Também houve revisão na projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de 5,1% para 6,4%.

Por que a gasolina está tão cara?

Na visão de Antônio Carlos Morad, o aumento do preço da gasolina é um reflexo de questões administrativas da gestão de Paulo Guedes, ministro da Economia. “As medidas que estão sendo tomadas em relação aos aumentos, baseados no alta do petróleo, em relação ao mercado internacional, faz com que o combustível não pare de subir. Até porque o dólar também está subindo. Isto está, de certa forma, fazendo com que a inflação venha de forma galopante, e não vai parar”, afirma o advogado. Ludmila Bondaczuk, também especialista em direito tributário, cita as dificuldades logísticas na distribuição como um outro fator que impulsiona o aumento. “A complexidade da distribuição de combustíveis pelo Brasil, que demanda uma infraestrutura de custo elevado com a participação de diversos agentes econômicos, encarece o preço dos combustíveis para o consumidor final”, afirma.

A questão da distribuição também faz com que exista uma grande diferença de preço dentro do próprio Brasil, com diversas regiões registrando valores muito diferentes uma da outra. Em um ranking com os preços médios dos Estados divulgado pela ANP, o Rio de Janeiro aparece com a maior tarifa (R$ 6,485), sendo seguido pelo Acre (R$ 6,450) e o Distrito Federal (R$ 6,357). Na outra ponta, o Amapá aparece com o menor preço médio (R$ 5,143), sendo seguido por São Paulo, (R$ 5,626) e Roraima (R$ 6,637). São Paulo também detém o menor valor encontrado pela pesquisa, com preço mínimo de R$ 4,990 o litro.

Ao falar sobre essa variação interna, Morad cita a privatização da BR Distribuidora e a distância de lugares afastados de refinarias e armazéns de combustível como responsáveis pelo fenômeno. “Existe uma variação alta em relação aos combustíveis por conta da venda da BR Distribuidora, que, antes de ser privatizada, tinha um valor específico para distribuição. Como é uma empresa privada, maximizam-se os lucros, e os preços em lugares mais longínquos se tornam mais altos também. Os preços que estão longe das distribuidoras, dos depósitos de combustível, das refinarias… Eles aumentam. E a BR Distribuidora é uma das maiores culpadas em relação a isso”, afirma o advogado. “Os custos de distribuição dos combustíveis são diferentes para cada Estado da Federação, a começar pelas alíquotas do ICMS, que são fixadas pelos Estados. Mas o tributo estadual não é o principal vilão, pois ele não é cumulativo, ou seja, permite compensação entre as operações que antecedem a venda ao consumidor final”, acrescenta Ludmila.

A advogada diz que as perspectivas para o preço da gasolina e dos combustíveis, de modo geral, não são animadoras. “A tendência é de alta nos preços enquanto não normalizar a demanda mundial pelo produto”, aposta. Morad segue a mesma linha, afirmando que outros combustíveis, como diesel, óleo combustível e o álcool, vão continuar aumentando. “O governo pode tentar barrar esse aumento mudando sua política econômica. Em primeiro lugar, o Brasil não pode fazer uso da política internacional, do aumento do petróleo, pois não tem capacidade para aguentar. O país também vem comprando muito combustível de fora, que vem a preços de mercado internacional. O Brasil tem que produzir mais. Nossas refinarias estão ociosas. Isso poderia contribuir muito para o equilíbrio dos preços.”

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