Guedes começou como o ‘posto Ipiranga’, mas nunca recebeu combustível de Bolsonaro, diz Delfim Netto

Bruce Petersons
Bruce Petersons

Durante a campanha à Presidência em 2018, Jair Bolsonaro (sem partido) colou em Paulo Guedes, então o seu fiador no mercado financeiro, a imagem do “posto Ipiranga”. O título remetia ao popular comercial da rede de combustíveis e funcionou como uma metáfora de que o futuro ministro teria todas as respostas para os problemas econômicos — e que o Bolsonaro não iria intervir na agenda liberal. Três anos depois, o agora ministro já admite que perdeu parte do apoio que tinha de Bolsonaro no início do governo, e que os ruídos na política — muitos causados por ação do chefe do Executivo — atrapalham a economia. Para Antônio Delfim Netto, no entanto, Guedes se ilude em acreditar que alguma vez teve a adesão de Bolsonaro. “Paulo Guedes começou como um ‘posto Ipiranga’, mas Bolsonaro nunca deu para ele o combustível. Paulo acreditava que Bolsonaro o ouvisse. Talvez o maior defeito foi do próprio Paulo, em acreditar em um voluntarista”, afirmou o ex-ministro da Fazenda em entrevista ao site da Jovem Pan. Aos 93 anos, o economista, que passou pelos quadros do regime militar e se tornou conselheiro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vê um desempenho pífio de 1% da economia brasileira no ano que vem — isso se o país “tiver muita sorte” —, e diz que até o próximo ciclo eleitoral não há possibilidades de mudanças. “O resultado da eleição é que vai voltar a dar alguma esperança ao Brasil.”

Delfim Netto se mostra otimista com nomes que surgem como postulantes da terceira via, e enaltece a figura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), como forte candidato. “É muito bom dar para o Brasil o sinal de que [o pleito] não está dividido entre Lula e Bolsonaro, que há uma alternativa, se ele quiser escolher.” Porém, a crença do economista não é forte o suficiente para afirmar que o segundo turno não será disputado invariavelmente pelo atual presidente e pelo petista. “Tem que reconhecer que Lula fez um bom governo, mas confundem com a Dilma. A Dilma é o Bolsonaro com o sinal trocado”, diz. Além de Pacheco, o economista enxerga no ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, um nome positivo para o país nos próximos anos, e prevê para o auxiliar de Bolsonaro um bom futuro político. “Eu gostaria que ele ficasse na política, porque provou que é capaz de escolher os melhores investimentos.” Confira abaixo os principais trechos da conversa:

O que dá para esperar da economia para este ano e em 2022? Este ano, o país está simplesmente recuperando o ritmo que se perdeu de crescimento no ano passado. As coisas funcionam muito mal. A tal reforma tributária, do Imposto do Renda, foi uma tragédia. O governo realmente tem um comportamento aleatório, inseguro e, às vezes, revela um desconhecimento profundo da realidade brasileira. Para o ano que vem, com muita sorte, mas com muita sorte, o país vai crescer 1%, ou alguma coisa menos do que isso. Até a eleição, não vai haver mudança nenhuma. E a eleição vai ser Bolsonaro e Lula. O brasileiro vai continuar se comportando como faz, se defendendo do governo. O brasileiro, inclusive já aprendeu que é melhor deixar o governo de lado e tratar o seu próprio problema. Para 2022, pode se esperar muito pouco. O resultado da eleição é que vai voltar a dar alguma esperança ao Brasil.

A agenda de reformas e a recuperação da economia andariam de uma forma mais rápida se não houvesse tanta tensão entre os Poderes? Acho muito pouco provável que haja uma solução no governo Bolsonaro. Exatamente pelo o que eu tenho dito: primeiro, ele é dominado por preconceitos, não é dominado pela razão. Segundo, é um voluntarista terrível. Crê na verdade que é o portador da verdade. Ele reage contra tudo que é contra a sua vontade. Não tem lógica interna, a não ser a lógica do embate. Ele não debate, ele embate.

Esse comportamento atrasa a agenda do ministro Paulo Guedes? Sem dúvida. Paulo Guedes começou como um ‘posto Ipiranga’, mas Bolsonaro nunca deu para ele o combustível. Paulo acreditava que Bolsonaro o ouvisse. Talvez o maior defeito foi do próprio Paulo, em acreditar em um voluntarista.

O aumento do IOF para bancar o Bolsa Família é uma saída do presidente Bolsonaro para buscar a reeleição em 2022? É uma demonstração de fracasso absoluto. A promessa fundamental do Bolsonaro era ‘eu não vou aumentar imposto’. Na primeira confusão, ele aumenta o imposto para bancar o Bolsa Família, recursos que ele poderia ter encontrado dentro do Orçamento. Esse é um ato que nega todo o governo. A promessa básica do Bolsonaro é que jamais aumentaria o imposto, e, na primeira dificuldade, ele sai por um caminho mais fácil, de empurrar para cima da população.

O senhor acha que dá certo essa estratégia de turbinar o Bolsa Família pensando em 2022? Eu tenho as minhas dúvidas. O governo é tão ruim que para se eleger precisaria que não tivesse concorrentes. Acho que ele tem vários concorrentes. Um, completamente fixado, é o Lula, que tem uma experiência enorme, com um governo de grande sucesso. E outro é o Rodrigo [Pacheco], o presidente do Senado, que tem se comportado de uma forma muito boa. Eu fico muito feliz que tenha uma alternativa. O Lula vai ser uma alternativa, não ao Bolsonaro, mas ao Rodrigo.

O senhor acredita que o Rodrigo Pacheco se candidate no ano que vem? Eu não tenho dúvida. É muito bom que ele se candidate. É muito bom dar para o Brasil pelo menos o sinal de que o pleito não está dividido entre Lula e Bolsonaro, que tem uma alternativa, se ele quiser escolher. 

É possível que forças tão antagônicas como as do partido Novo, do MBL, do PSBD e do Ciro Gomes se unirão para criar a terceira via? Eu duvido muito. O Ciro tem o seu eleitorado próprio, mas tem uma grande dificuldade de crescer. É uma pena, porque o Ciro sempre foi um bom administrador. Você pode gostar ou não, mas o Ciro tem um projeto para o Brasil. No fundo, há a oportunidade de escolha. O Lula tem um programa, o Bolsonaro tem uma coisa que se supõe ser um programa, já o Ciro tem efetivamente um programa. E o Rodrigo é uma alternativa nova que está nascendo e que tem um projeto.

A eleição vai ser entre Lula e Bolsonaro? E nesse cenário, quem vence? Ainda acho que a eleição será entre Lula e Bolsonaro. E não tenho dúvida que Lula vence.

O que o ex-presidente Lula e o PT precisam fazer para ter o apoio da classe empresarial e do mercado financeiro? Nos últimos anos, nenhum governo foi mais benéfico para o mercado financeiro do que o de Lula. Na verdade, foi o último governo que houve desenvolvimento. A ideia de que há uma divergência entre o Lula e o mercado financeiro é um grave equívoco. É claro que os interesses são contrariados, mas não há grande temor. Uma coisa que tem de se reconhecer é que o Lula fez um bom governo, mas o confundem com a Dilma. Quem destruiu a imagem do Lula foi a Dilma, que é uma voluntarista. A Dilma é o Bolsonaro com o sinal contrário

O que o vencedor das eleições em 2022 deve fazer para o Brasil retomar o caminho do crescimento econômico? Tem que cumprir o papel do Estado. O Estado é o grande induzidor de crescimento, não há crescimento sem um Estado forte e constitucionalmente controlado. Os investimentos estatais é que produzem o crescimento. Nada diminuiu mais do que investimentos estatais. Hoje o investimento público não cobre a depreciação da infraestrutura. Nós não estamos crescendo, nós estamos em pleno subdesenvolvimento acelerado. O Estado devia estar investindo, e investindo bem. Ele tem o ministro de Infraestrutura [Tarcísio de Freitas], que talvez seja a melhor coisa desse governo. 

O senhor acredita que Tarcísio de Freitas seja o sucessor de Bolsonaro? Talvez a melhor coisa do governo Bolsonaro seja o Tarcísio. Ele é um bom administrador, usa os recursos com cuidado, tem capacidade para escolher projetos. Espero que ele fique na política. Aliás, eu gostaria muito que ele ficasse na política, porque provou que é capaz, de politicamente, escolher os melhores investimentos. Eu vejo o Tarcísio com um grande futuro. Sendo Presidente da República ou não, é uma questão quase de acidente, ele é um valor descoberto, talvez a única descoberta de verdade em todo esse período tumultuado.

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