Novo cangaço é lucrativo para o crime e pode se alastrar no país, alerta especialista em segurança pública

Bruce Petersons
Bruce Petersons

Na madrugada da última segunda-feira, 30, uma quadrilha fortemente armada aterrorizou a cidade de Araçatuba, no interior do Estado de São Paulo, ao fazer reféns para assaltar três bancos na região central do município. Ao menos seis pessoas foram feridas e três morreram durante a ação, entra elas um suspeito. No dia seguinte ao ataque, o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar detonou 100 kg de explosivos deixados pela quadrilha durante a madrugada de terror. Ao todo, foram encontrados 97 artefatos explosivos, além de 70 cartuchos de emulsão em um caminhão. Na sexta-feira, 3, a polícia prendeu dois suspeitos de integrar a quadrilha, fazendo com que o total de detidos subisse para sete. Crimes desta magnitude têm ocorrido com uma maior frequência durante a pandemia. Em julho de 2020, um grupo de 30 criminosos explodiu uma agência bancária na cidade de Botucatu, também no interior de São Paulo. No fim do ano passado, a cidade de Criciúma, em Santa Catarina, foi aterrorizada com um assalto de grande escala, que resultou em um intenso tiroteio entre os criminosos e a polícia. Um dia depois, Cametá, no Pará, a 3.628 km da cidade catarinense, foi invadida em uma operação criminosa bastante similar. Os municípios paulistas de Mococa, Araraquara, Ourinhos e Jarinu também foram vítimas dessa modalidade de crime, batizada pela polícia de novo cangaço, por se assemelhar com as invasões de Lampião e outros cangaceiros no sertão nordestino entre o final do século 19 e o começo do século 20. A Polícia Militar de São Paulo acredita que o novo cangaço se tornou frequente devido a uma queda de faturamento do tráfico de drogas.

O assalto em Araçatuba mostrou uma verve mais cruel do que os outros. Os bandidos espalharam explosivos para amedrontar a população — e um deles atingiu um ciclista, que teve os pés amputados. Reféns serviram de escudo humano, sendo, inclusive, amarrados aos veículos usados pela quadrilha. “A cidade está com medo até hoje. Ninguém sai na rua. No dia [do assalto], parecia guerra, só se ouvia tiro”, contou o advogado Marco, que preferiu ocultar seu sobrenome. À Jovem Pan, o bartender Eduardo Alves Nunes relatou o que viveu em Criciúma nove meses antes. “Estava naquela troca de informações. Todo mundo assustado, dentro de casa. Ninguém querendo sair para não correr riscos e muita gente sem informação, que era o que mais preocupava”, explicou Nunes. Ele também continuou apreensivo nos dias seguintes devido à falta de informações sobre o paradeiro dos criminosos. Hoje, a situação está um pouco mais calma, mas o bartender ressalta que os moradores da cidade ficaram mais vigilantes com pessoas de fora. Eduardo também afirmou que, mesmo com o episódio, a sensação é de que a polícia não fez nada para prevenir ataques semelhantes. “A sensação, como um cidadão criciumense, é de que não foi feito nada. Não foi aumentado o efetivo, continua a mesma coisa. Mesmas rondas, mesmos bairros. A inteligência da polícia não se mostrou capaz. Todas as capturas foram feitas por outros Estados.” Ele acredita que a melhora no trabalho da inteligência da polícia e um foco maior em combater grandes grupos contribuiriam para deixar a população mais segura.

Leandro Piquet, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e coordenador da Escola de Segurança Multidimensional, explica que cidades como Araçatuba e Criciúma são escolhidas por questões logísticas, visando ao enfrentamento e à fuga. Os criminosos preferem locais em que o contingente de agentes de segurança é menor do que os de metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro. “Só é possível cometer um crime desse tipo em cidades isoladas, que tenham um contingente policial pequeno. É um planejamento que leva em conta, fundamentalmente, a vantagem logística. O ataque é feito em função da limitação que a polícia tem em responder a uma ofensiva dessa magnitude. Acho que isso é o padrão que temos observado nesses crimes”, afirmou Piquet. Ele alerta que o sucesso das operações pode, cada vez mais, influenciar outros grupos. “Se alguma quadrilha desenvolve uma operação que deu certo, outra vai copiar. Vai aprender com a forma como foi cometido o crime. Isso pode ser lucrativo para vários grupos”, disse Leandro, que concluiu: “É obvio que a polícia e o Ministério Público dos Estados vão se antecipar a isso. Vão tentar conter esse tipo de ação, desenvolvendo modelos de patrulhamento, de deslocamento de efetivo, para que possam responder prontamente quando acontecer um crime desse tipo”.

O especialista afirma que a principal medida tomada pelas autoridades para combater esse tipo de mega-assalto foi tipificar, em 2013, o “crime organizado” no Código Penal, com punições específicas e mais rigorosas. “O que a gente fez no país, primeiro, foi tipificar, criar uma lei específica para designar o que é crime organizado. Isso foi muito importante. O Brasil tem uma lei que reflete as melhores práticas internacionais na área, que vêm da Convenção de Palermo, um marco nessa área. Infratores que organizaram crimes como esses, que são muito violentos, muito planejados e exigem até investimento significativo de recursos, serão tratados de forma diferente, com muito mais rigor”, pontuou Piquet. Ele explicou que o crime organizado se configura quando há uma pré-relação entre os envolvidos e pode se provar que existe uma cadeia hierárquica dentro do grupo em questão.

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